Cinquenta anos depois: o mito de Woodstock
Festival realizado entre 15 e 18 de agosto de 1969 é um dos maiores ícones de uma época e sua juventude
Quando Jimi Hendrix subiu ao palco às 9h de 18 de agosto de 1969, uma segunda-feira, para encerrar o festival de Woodstock, que começara três dias antes, o público que restou da multidão de 500 mil pessoas que invadiram uma fazenda nas proximidades de Nova York viu o guitarrista empunhar sua Fender Stratocaster e subverter, de maneira radical, o hino nacional dos Estados Unidos. Distorções criaram barulhos de bombas em protesto à Guerra do Vietnã, que atingira seu auge com a eleição de Richard Nixon, um ano antes. Esse é um dos momentos mais emblemáticos daquele fim de semana.
Cinquenta anos já se passaram, mas cabe perguntar: por que falamos tanto de Woodstock? O festival é uma espécie de balanço dos anos 60. O jovem, que levantava bandeiras da igualdade racial e de gênero, do pacifismo, da liberdade sexual, da ruptura com o estilo de vida de seus pais e do uso das drogas, principalmente o ácido, para reconfigurar a realidade (ou escapar dela), já havia ocupado seu espaço político e social e foi em Woodstock que ele encontra um grande palco para essa celebração.
O que estava sendo gestado desde os anos 50 com os Beatniks, movimento de contestação cultural que reuniu escritores e poetas como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs, atinge seu ápice na década seguinte, quando a contracultura tem um terreno fértil para se promover e o underground chega ao mainstream. “Woodstock ganhou essa dimensão porque a contracultura já havia sido assimilada completamente pela música, sua face mais sedutora”, observa o pesquisador e autor do livro “O Som da Revolução: Uma História Cultural do Rock 1965-1969” (Editora Civilização Brasileira), Rodrigo Merheb.
Organizado por dois hippies e duas figuras que tinham grana para bancar a ideia, Woodstock poderia ter sido um fiasco. As condições de higiene eram péssimas, chuvas e trovões atrasaram vários shows (por isso Hendrix se apresentou na manhã do dia 18), e o trânsito ficou caótico na entrada de Bethel, uma cidadezinha de pouco mais de 2.000 habitantes a 160 km de Nova York, onde realmente aconteceu o festival – a população da vila de Woodstock, a uma hora e meia de Bethel, não aceitou receber os três dias de shows. A desordem que se instalou na cidade é compreensível: a organização do evento esperava 150 mil pessoas, mas 500 mil chegaram ao local, a imensa maioria sem ingressos, já que a organização liberou a entrada do público ao perceber que a situação estava fora de controle.
Mercado
Antes mesmo de Richie Havens soar o primeiro acorde de seu violão na abertura do festival, a Time Warner já tinha negociado os direitos do documentário e da trilha sonora oficiais do evento. A partir de Woodstock, o processo de produção de grandes eventos de rock começa a ganhar novos contornos: “Não tinha mais espaço para amadorismo, e a indústria cultural descobre que a rebeldia é vendável, essa é a grande sacada”, afirma Merheb. “Houve uma reorganização do mercado da música, e isso fez com que esses produtos ganhassem valor de mercado”, pondera o historiador e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) José Adriano Fenerick.
Woodstock inaugura a era dos shows para superplateias, mas é um erro pensar que eventos como Lollapalooza e Rock in Rio refletem o espírito daquela época. “São reuniões de música bancadas por grandes empresas. Não falo isso por ser contra, mas para ter uma noção de que o mundo não é o mesmo de 1969”, diz o jornalista Lúcio Ribeiro, especialista em cultura pop.
É impossível falar de Woodstock sem contemplar a herança comportamental deixada por aquela geração. O reconhecimento da legitimidade das minorias, das pautas pela igualdade entre gêneros e das liberdades individuais tem ali um ponto fundamental. Fenerick diz que fica a lembrança de uma época em que se projetou um futuro melhor para a humanidade. “Woodstock é uma espécie de relicário de uma época dita como de ouro, ainda que essa coisa de época de ouro seja uma invenção”, crava.
Quatro dias de rock
Woodstock reuniu 32 atrações em um palco montado aos pés de uma pequena colina, como Joan Baez, Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who, Joe Cocker, Crosby, Stills, Nash & Young, Santana, Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival e The Band, entre outros. Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones, The Doors e Led Zeppelin foram sondados, mas declinaram do convite.
Veja alguns momentos marcantes de Woodstock: