Elza Soares vira Cidadã Honorária de Belo Horizonte e faz show na cidade

Neta e filha de mineiros, cantora apresenta o repertório de “Deus É Mulher”

iG Minas Gerais | Raphael Vidigal |

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Criada na favela de Moça Bonita, em Padre Miguel, no Rio de Janeiro, Elza Soares, 88, afirma: “Nasci carioca por acaso”. Ela justifica a declaração com a própria árvore genealógica. Assim como a avó, nascida em Montes Claros, o pai e a mãe da cantora também eram mineiros. Mais tarde, esses laços sanguíneos se estabeleceram por escolha. Numa das vezes em que se casou, o marido era das bandas das Gerais e, desta forma, seus “filhos também são filhos de um mineiro”, observa. 

“A comida mineira é a melhor do Brasil, aqui em casa sempre tem muito frango com quiabo e angu”, completa Elza. A relação de amor e vida da entrevistada com o Estado acaba de ganhar mais um capítulo. Elza se tornou Cidadã Honorária de Belo Horizonte por iniciativa do vereador Gilson Reis (PCdoB), título já concedido a outras figuras midiáticas, como o ex-jogador Ronaldinho Gaúcho e o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. 

“Emocionada e, por assim dizer, vingada” com a homenagem, a intérprete, eleita a voz do milênio pela BBC de Londres em 1999, apresenta hoje na capital mineira o espetáculo “Deus É Mulher”, título de seu mais recente disco. O repertório segue a linha combativa e contundente na defesa das minorias que Elza adotou com ênfase a partir de “A Mulher do Fim do Mundo” (2015), que, não por acaso, também oferece canções para o show, como a faixa-título, “Maria da Vila Matilde” e “Benedita”.

“A mulher é um deus, sem ela não existe mundo. Você está aí porque saiu de uma mulher, eu também. Trabalho muito em cima do respeito pela mulher, algo que, aliás, não deveria nem precisar ser dito”, reivindica Elza. Obrigada pelo pai a se casar aos 12 anos, Elza se tornou mãe aos 13. Na década de 60, se envolveu em um romance com o jogador Garrincha e foi achincalhada pela imprensa, que a acusou de acabar com o casamento do ponta-direita da seleção brasileira de futebol. 

Pobre e negra, Elza ainda enfrentou, além do machismo, o preconceito racial e de classe, numa impressionante história contada recentemente em biografia escrita por Zeca Camargo. Em outubro do ano passado, Elza participou, como ela mesma, do videoclipe “Escuta as Minas”, ao lado de nomes como Karol Conka, Tiê, Mart’nália e As Bahias e a Cozinha Mineira, que interpretavam, entre outras, as compositoras Maysa e Chiquinha Gonzaga. “O feminismo é essencial. Fico machucada com a homofobia. Acho incrível as pessoas não terem liberdade para seguir suas vontades. Não quero agredir ninguém, apenas ser quem eu sou”, reclama.

Numa das músicas mais emblemáticas do último disco, Elza dispara: “Mil nações moldaram minha cara/ Minha voz uso pra dizer o que se cala/ O meu país é meu lugar de fala”, versos de “O Que Se Cala” (Douglas Germano). “Vivemos um momento de ódio, isso é muito triste. Acho que está tudo errado, mas podemos tentar consertar. Depende do povo, está nas nossas mãos, não temos mais opinião? O que estamos esperando?”, conclama a artista.

Novidades. Julho já está todo reservado na agenda de Elza Soares, quando ela inicia uma nova turnê pela Europa, sem nenhum deslumbramento. “O Brasil é o maior país do mundo, e olha que já viajei esse planeta todo. Quando dizem que somos pobres, fico triste, porque somos um país rico, libertário, não podemos perder isso. Se não roubassem tanto, o povo não passaria tanta necessidade”, desabafa. 

Essa não é a única novidade da intérprete, que vai ganhar uma nova cinebiografia protagonizada por Taís Araújo, ainda sem data de estreia. O próximo disco, produzido por Rafael Ramos, segue cercado de mistérios. “Já escolhi as músicas, vai ser um disco ‘fortésimo’, com o dedinho na ferida, é tudo que posso contar”, disfarça ela, que aproveita a deixa para reforçar seu mantra. “Sou livre para cantar de tudo, tenho a coluna operada, mas a garganta é ótima”, garante. 

Com 83 trabalhos lançados no mercado fonográfico, Elza se prepara para ser tema da Mocidade Independente em 2020, quando ela completará 90 anos. A ligação vem de longe. Em 1975, ela foi a primeira mulher a puxar um samba-enredo na avenida, com “Salve a Mocidade”. “Você virar enredo é uma coisa de louco, mas eu sou merecedora”, afirma, sem falsa modéstia. “Carnaval é liberdade, onde o povo sofrido do Brasil tem o seu momento de alegria e brincadeira”, conclui.

Show “Deus É Mulher”, de Elza Soares. Neste sábado (11), às 21h30, no Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1.046, centro). Ingressos de R$ 45 a R$ 150. 

Ouça o mais recente disco de Elza Soares: