TV Itacolomi, canal 4: um marco da telinha com DNA mineiro

A emissora fundada por Assis Chateaubriand, que funcionou até 1980, fez história, dando espaço para muitos talentos locais

iG Minas Gerais | Patricia Cassese |

undefined
Reprodução: iG Minas Gerais
undefined
Na semana em que os 70 anos da televisão brasileira são lembrados, “a emissora dos mineiros”, claro, não poderia ficar fora do rol de homenagens. Fundada em novembro de 1955 por Assis Chateaubriand, a TV Itacolomi, afiliada da Tupi, marcou história na capital mineira, deixando, no imaginário de quem viveu a época, memórias marcantes, sempre retomadas com nostalgia.    Para se ter uma ideia da magnitude do advento, a cerimônia de inauguração contou com as presenças de Juscelino Kubitschek, então presidente da República eleito, e do governador de Minas, Clóvis Salgado. A trajetória da emissora, cuja programação era veiculada no canal 4, se desenvolveu em dois endereços icônicos na cidade: de início, no Edifício Acaiaca e, a partir da década de 70, na avenida Assis Chateaubriand, no Floresta, no prédio que depois abrigou a TV Alterosa.   Pela Itacolomi passaram nomes que se tornaram referência em diversos campos. No das artes, gente como Wilma Henriques, apresentadora do programa feminino “Espelho”. Ou, ainda, Fernando Sasso, que trabalhou por lá até 1977, como narrador e apresentador de programas de auditório, como o “Papo de Bola”. “A Itacolomi foi um importante marco para o desenvolvimento das comunicações em Minas Gerais e exerceu grande influência sobre a vida cultural em Belo Horizonte, impulsionando o surgimento e o crescimento de diversos artistas mineiros”, confirma Moacir Ricoy Pena, coordenador do Museu da Imagem e do Som (MIS-BH), equipamento mantenedor de um acervo digno de nota da emissora, que foi tirada do ar em 18 de julho de 1980.   O acordeonista Célio Balona é um dos que passaram por lá, tendo muitas histórias para contar. A via de entrada do músico na Itacolomi se deu quando ele, então com 16 anos, soube que a emissora estava procurando artistas para preencher sua grade na área musical. Logo se inscreveu no programa “Confiança no Sucesso”, que caçava talentos. “Fui classificado e depois contratado para atuar nos programas musicais de lá”, recorda ele. Logo, passou a ocupar a faixa das 15h às 15h30 do programa “A Tarde É Nossa”, apresentado por Danilo Vale. Ressalve-se que, a essa altura, Balona já se apresentava com outros músicos – Célio Balona e Seu Conjunto, no quadro "Balona Bem Bolado". Num crescente, o acordeonista acabou ganhando seu próprio programa, “Balona É o Sucesso”, veiculado aos sábados. Ele se lembra em particular de uma gravação feita na pista do aeroporto da Pampulha, com a Esquadrilha da Fumaça sobrevoando. “Foi antológico”, recorda Clóvis Prates, diretor da empreitada. “Ele lá, no meio da pista, tocando ‘Wave’, de Tom Jobim”.   Balona e Prates só lamentam que não existam registros do feito. “Assim que o programa passava, como a fita era muito cara, gravavam outro por cima”, explica Balona. “Não ter esses registros é uma das grandes frustrações que tenho na vida”, endossa Prates, que, vale dizer, tal como o amigo, entrou na emissora adolescente: com 16 anos. "Fiz o caminho contrário ao da maioria. Comecei como ator, ou seja, na frente das câmeras, mas meu sonho sempre foi ir para trás delas", explica ele, que passou por todas as funções (mais tarde, Prates passou por outras emissoras, em particular, para a Globo, tendo inclusive morado por bom tempo na Itália, quando da implementação da TV Monte Carlo).    Na verdade, embora tenham citado as fitas de videotape, ambos entraram na emissora ainda nos tempos do ao vivo.  "A gente ensaiava na véspera e depois  já no cenário. Mas o que acontecia de erro... E não tinha jeito, ia ao ar. Teve a vez que me deu um branco no meio da fala. Eu entrava declamando uma poesia. Aí, o jeito foi ir para o quadro seguinte. E tinha um teatro infantil, escrito e dirigido pelo Bacalhau, que era um português. Para uma peça, a gente teve até aula de esgrima, um capitão da Polícia Militar dava aula. Era muito divertido, a gente esgrimava mesmo, eu e o Rogério Falabella. Uma vez, ele atravessou uma parede de cenário. Enfim, casos assim , há uma porção, mas acabam sendo irrelevantes porque o que se sobressai é a importância que a Itacolomi teve na vida da cidade, o seu pioneirismo, pontua Clóvis Prates.    Balona lembras da modelo que, ao falar da promoção de geladeiras na Bemoreira, foi abrir a porta do eletrodoméstico e esta travou. "Teve uma vez que o cenário caiu em cima da garota propaganda. Isso não tinha como prever, tudo podia acontecer na hora". Já na época do videotape, de certa feita, como Balona gravava na sexta à noite o programa que era levado ao ar no sábado, um episódio bem curioso se sucedeu. "No sábado, a gente viajou para Governador Valadares, e  fomos jantar num restaurante, que, por acaso, estava com a TV ligada, sintonizada no programa. Quando as pessoas passaram a perceber que estávamos na tela e, 'ao mesmo tempo', ali, começou um burburinho. Logo, o lugar começou a encher de gente. Perguntavam: 'como pode acontecer isso, vocês aqui e na TV?' (risos). O lugar lotou, ficou gente até na rua comentando: 'Olha, os caras estão aí'", gargalha.    Foram tantos que, mesmo já não estando mais na Itacolomi quando foi anunciado o seu fim, Prates nem ficou chocado de imediato. “Porque, na verdade, achei que dois dias depois voltaria. Infelizmente, não foi o que aconteceu”, lastima.   Balona ficou por lá até 1974. "Foi maravilhoso, mas saí pelo seguinte: a programação já tinha começado a se modificar, já havia programas transmitidos diretamente do Rio. E também pela minha vida profissional, pelas solicitações para tocar, comecei a viajar para os EUA, enfim, não podia ficar muito amarrado. Mas foi um período que marcou a minha vida, uma época de muita alegria", faz questão de dizer o músico, que, na exposição alusiva à emissora, do MIS, foi homenageado.   Acervo resguarda histórias da emissora Hoje, mais de 8.500 imagens de programas e de bastidores dos primeiros anos da Itacolomi estão sob a tutela do Museu da Imagem e do Som (MIS-BH). “Também abrigamos um importante conjunto de entrevistas com diretores, artistas, apresentadores, jornalistas, técnicos e equipe de produção, que narram sua história na emissora, além de suvenires, como um troféu de um indiozinho, que era a mascote da Tupi, da qual a emissora mineira era associada”, conta Moacir Ricoy Pena, coordenador do MIS.  Em 2018, aliás, o MIS sediou a exposição “TV Itacolomi: A Pioneira de Minas” utilizando parte desse acervo. “O objetivo era permitir uma imersão nos primórdios da TV, quando não existe a possibilidade de gravar os programas e tudo era feito ao vivo, inclusive as propagandas. Numa época em que a TV era em preto e branco e a programação cobria poucas horas”, situa.   Por ora, o MIS encontra-se fechado, em atendimento ao decreto municipal que determinou a interrupção temporária das atividades dos espaços culturais em função da pandemia da Covid-19. A reabertura dos espaços museais da cidade está no planejamento de flexibilização da prefeitura. Segundo a assessoria de comunicação da Fundação Municipal de Cultura (FMC),  um protocolo foi elaborado por um grupo de trabalho, mas, evidentemente, ainda pode passar por modificações. Mesmo assim, Marcos pontua: "Passados 70 anos da TV no Brasil e quase 65 da inauguração da Itacolomi, a televisão hoje vivencia grandes mudanças em razão da popularização dos aparelhos celulares e das novas formas de disseminação de informação e entretenimento. Por isso, após a reabertura dos museus, convidamos todos a conhecer esse acervo para fazer uma reflexão sobre aquele momento de pioneirismo, no qual fazer e ver TV em Belo Horizonte eram de um ineditismo completo".

Clique para inserir palavras chave