Tande: 'era para a geração de prata ter vencido o ouro em Barcelona 1992

Em passagem por Belo Horizonte, para lançamento da sua autobiografia, ex-jogador da seleção masculina de vôlei abre o jogo sobre a vida dentro e fora das quadras

iG Minas Gerais | Daniel Ottoni |

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Depois de fazer parte do primeiro time de esportes coletivos do Brasil campeão em uma edição de Olimpíada, o ex-jogador de vôlei Tande quer deixar sua marca na vida das pessoas de uma outra forma. Hoje palestrante, Tande está viajando por algumas cidades para lançar sua autobiografia 'A vida é um jogo'. Na sua passagem por Belo Horizonte, fomos recebidos para uma entrevista exclusiva. Tande, que também 'atacou' de comentarista, repórter e apresentador da Rede Globo, falou de seleção brasileira, do ouro em Barcelona 1992, da vida fora das quadras, dos títulos no vôlei de areia e sobre a presença de Leal no time do técnico Renan Dal Zotto. 

Qual foi a motivação para escrever um livro?

As pessoas muitas vezes me perguntavam se eu não iria deixar um legado. Tenho dois filhos, plantei árvores e acho que faltava isso. Estou perto dos meus 50 anos, o momento atual do Brasil me fez ter vontade de deixar esse legado. A ideia é fazer as pessoas acreditarem no seu potencial, terem resiliência e saber se reinventar. Isso é algo fundamental para pessoas com ou sem emprego. Quem está na 'zona de conforto' pode ter alguém no seu lugar se não fizer algo diferente hoje, neste mundo de internet, start ups e inteligência artificial. Eu tinha medo do que ia fazer quando parasse de jogar vôlei. Fiz investimentos, me mexi. Se eu conseguir passar algo positivo pra uma única pessoa, já estará de bom tamanho. Motivar alguém a levantar da cama e fazer algo diferente. Isso aconteceu comigo quando li o livro do Andre Agassi. Precisamos estar o tempo todo aprendendo, a vida é um eterno aprendizado. Quero que as pessoas construam suas histórias a partir da minha história. 

Teve algum momento mais difícil ou marcante para colocá-lo em palavras?

Eu tenho uma grande facilidade para escrever e também para falar. Não fui para a Rede Globo à toa (risos). Essa oportunidade potencializou minha facilidade de comunicação, me ajudou a virar palestrante. Vejo nas palestras pessoas emocionadas, CEO´s dizendo que irão voltar para casa para ficar mais tempo com a família. Gosto de mexer com esse lado mais humano. O que mais mexeu comigo foi falar dos meus pais. Para você ser protagonista na vida, é necessário resiliência para deixar os maiores bens da sua vida em casa. Eu sempre dizia pra mim mesmo que não poderia me arrepender de nada, sabia que o tempo não voltaria. Eu precisava ser eficiente. 

Seu pai teve influência para você ser jogador?

Ele era militar, se formou cadete em Resende (RJ). Ele dizia que jogava muito bem, mas se não tem imagem eu não acredito (risos). Ele ficava preocupado com a vida de atleta, dizia que não dava dinheiro. Naquele época, ou se fazia um curso de bancário ou ia para o Exército. A sorte foi que minha irmã, quatro anos mais velha, também jogava. Eu, então, não tive tanta dificuldade. A diferença era que ela era ótima aluna, eu não. Repeti de ano duas vezes, passando só em Religião e Educação Física. Meu pai era meu primeiro adversário. Mas eu era apaixonado pelo vôlei, fiquei encantando com o esporte, brincava com bola de meia, tudo. 

Você se lembra da sua primeira convocação para a seleção brasileira?

Joguei vôlei no Botafogo dos 12 aos 15 anos. Fui para o Paraguai, meu pai tinha sido transferido. Defendi o Colégio Internacional por dois anos, a escola nunca ganhou tantos títulos quanto na minha passagem por lá. Era nível escolar, mas que ajudou para eu me manter jogando. Voltei para morar em Brasília e recebi o convite de um amigo para jogar na AABB. Cheguei a me esconder debaixo da cama de casa, não queria ir. Ele me levou e fiquei no time. Disputamos um Brasileiro, todos os amigos da minha época estavam lá por diferentes Estados. Caí de pára-quedas em um Brasileiro e ficamos em quarto lugar, um resultado inédito. Fui a revelação do torneio e convocado para a seleção juvenil. O Marcelo Negrão era desse time, mas acabou sendo cortado. Ele atuava como central. 

Então você não passou pelas outras seleções de base?

Acho que fui uma exceção. Mesmo jogando em nível escolar, me mantive bem, aquilo me ajudou. Eu tinha muita habilidade e isso fez a diferença. Eu vinha de uma boa geração, cada um aprendia muito com o outro. Também demos sorte porque a geração anterior à nossa brigou com a CBV. Eles saíram da seleção e abriram espaço para os mais novos. Entramos e fomos campeões do Sul-Americano de 1989. Se não tivéssemos vencido, a geração de prata poderia voltar e tomar o nosso lugar. São momentos, oportunidades, que precisamos agarrar e levar pra frente. 

Algum momento mais marcante daquele ouro olímpico em Barcelona 1992?

Era um período difícil de impeachment do Collor, inflação, as pessoas sem acreditar nelas mesmas. A gente tinha a pressão dos dois lados. Poderíamos fazer a pior campanha do país em uma Olimpíada mas também estávamos assumindo o lugar dos nossos ídolos da geração de prata. Eles ainda estavam em forma, o Amauri era daquele grupo mais velho e foi o único que fez parte do time campeão em 1992. Um momento que eu lembro muito é na hora do hino, depois de ser campeão. O segundo foi quando o Joel Despaigne, cubano, entrou no nosso quarto na Vila Olímpica horas após a final. Ele perguntou se poderia ver a medalha, a pegou e disse que faria tudo para que ela fosse dele. Um cara daquele nível, meu ídolo, um dos melhores do mundo, me dizer isso foi marcante demais. Levamos pra casa a mesma medalha do Dream Team dos EUA. Fomos um dos times com a melhor campanha em uma edição de Olimpíada, perdendo apenas três sets em todo o torneio. Era para a geração de prata ter vencido aquele ouro. Mas a gente soube aprender e se aperfeiçoar. Naquele tempo, não tinha assessores, o público se aproximava da gente de um jeito tranquilo e diferente do que é hoje. Lembro que estávamos em uma praia dias após a conquista e fui rodeado por centenas de fãs. Até hoje levo um arranhão daquele dia comigo. A gratidão foi algo que nos ajudou também, éramos gratos pelo que outras pessoas fizeram por nós no passado. É importante termos gratidão pelos nossos pais, avós, chefes, por pessoas que acrescentaram algo em nossa história. Estamos colhendo os frutos do que foi construído e precisamos deixar algo melhor para as próximas gerações. 

O Zé Roberto Guimarães de hoje é o mesmo cara que treinou vocês com 35 anos de idade?

Acho que todos mudam. Ele é um cara espetacular, humilde, amigo e que tem grande facilidade para lidar com o ser humano. Esse foi um ponto positivo dele para conseguir ser aceito rapidamente no elenco de 1992. Ele havia assumido o lugar de uma referência como o Bebeto de Freitas, pegou um elenco com meninos desconfiados e talentosos, que não sabiam o caminho do sucesso. Ele sabia, já era experiente. Hoje ele é ainda mais tranquilo pela trajetória, consegue dar pressão nos adversários por ser tricampeão olímpico, é um motivo de orgulho pra nós. Ele, ao lado de nomes como Bernardinho, Renan, Jorjão, ajudaram a construir o vôlei no país. Dentro dos esportes olímpicos, o vôlei é o número um no Brasil. 

Seu estilo de jogo era parecido com o de quem?

Eu tinha uma mistura da habilidade do Bernard, com um pouco do Renan e a envergadura do Xandó. Achava mesmo que parecia com o Powers, dos EUA. Se você visse um vídeo do Bernard, ficava sem acreditar. Ele e aqueles caras eram 'globe trotters', faziam um circo nos treinos, era algo fantástico. Eu gostava de bola alta, acho que isso hoje em dia não ia dar muito certo. Gostava muito quando aparecia bloqueio duplo e triplo na minha frente, sabia explorar bem o bloqueio adversário. 

Como era jogar sem a tecnologia do desafio?

Era complicado. Já imaginou na quantidade de jogos e campeonatos que não aconteceram de forma injusta? Fui falar com o Arnaldo Cézar Coelho há mais tempo, ele dizia que essa coisa de tecnologia não cabia no futebol, que era um esporte diferente. Agora estamos vendo o que está acontecendo. Eu gosto e acho justo. Não tem nada pior do que você perder um campeonato, após dedicação de quatro ou oito anos, por uma falha humana que poderia ser evitada. Já temos isso no tênis, no futebol americano e agora aparece também no futebol. É louvável, vale a pena e acho que fica charmoso. 

Como foram as suas duas decisões de sair da quadra para jogar vôlei de praia?

Foram transformações, precisei me reinventar e sair da zona de conforto. Se eu não tivesse ido para a praia, um menino cinco anos mais novo chamado Giba poderia ter me colocado no banco e minha história acabar ali. Por outro lado, eu iria arriscar, trocar o certo pelo incerto. Eu tinha contrato com o Milan, fazia comerciais, estava na 'crista da onda', tinha muita mordomia. Comecei uma dupla com o Giovane saindo do zero, buscando patrocínio, montamos uma comissão técnica e precisamos ter humildade para acontecer algo de diferente. Fui tricampeão brasileiro, campeão do Circuito Mundial e Rei da Praia. Tomamos pauladas em um esporte diferente, precisando me adaptar com vento, boné e sol. 

Como foi a decisão de se aposentar?

Em 2004, eu jogava com o Benjamin. Em um jogo contra os EUA, recebi alguns saques curtos e percebi meu joelho inchando. O médico disse que um caminho era operar, mas tinha chances de não voltar ao mesmo nível. Neste exato momento, apareceu o convite da Globo e uma final olímpica surgiu no meu caminho. Por isso o nome do livro é 'A vida é um jogo'. Jogamos uma final olímpica todo dia, em casa, no trabalho, são decisões constantes. Busquei a chance de me reinventar.

Gostou de ser comentarista? Como foi encarar essa decisão?

Como comentarista foi mais tranquilo, era meu mundo. Agora dali eu saí para ser apresentador em programa ao vivo de três horas de duração, quando cuspi uma bala ao vivo por uma falta de comunicação. Depois fui repórter fazendo matérias inusitadas como cobrir corrida de toras em uma tribo Xingu. Eu não pensava que não estavam me dando outras oportunidades, vi como uma chance de ser visto de uma forma diferente. Tinham poucas pessoas naquela área. Lembro de uma corrida nos EUA em que os participantes, como eu, tomavam choque, passavam na lama e por piscina de gelo. Foi uma forma diferente no meu mundo, mas que fiquei muito feliz. 

Hoje ainda joga vôlei?

Saudade eu não tenho nenhuma. Como joguei no alto rendimento por 30 anos, treinando oito horas por dia, o corpo mostra esse desgaste. Se eu jogar, tenho a obrigação de ganhar porque sou o Tande. Se perder, venceram o Tande. Recebo muitos convites para jogar torneio de masters, não tenho aceitado. Prefiro correr e malhar. 

Tem vontade de ir para o mundo do vôlei como outros ex-atletas?

Como gestor, talvez possa ser legal. Gosto de agregar, fazer com que as pessoas se sintam melhores nas equipes, fazer parte de um planejamento. Técnico jamais, não é minha praia. Admiro muito o Giovane, está aí muito envolvido, foi bronze agora no Mundial sub-21. Eu vejo uma chance, quem sabe mais pra frente. Seria algo como um manager. Fora isso, não tenho vontade. Sinto pena dos atletas, é preciso muita força de vontade. 

O que dizer de você ter dado sequência no saque 'Jornada das Estrelas', que ficou famoso com o Bernard?

Não sei se fui cara de pau ou corajoso. Lembro de uma Liga Mundial no Mineirinho, estávamos treinando para enfrentar a Grécia. Acabou o treino, alguns estavam se alongando, outros fazendo saque e passe. Eu via a altura daquele ginásio, olhava pra cima e comecei a brincar de jornada. O Zé Roberto chamou minha atenção, perguntou se eu ia fazer no jogo. Eu disse que teria coragem e comecei a treinar. Na hora do jogo, a última bola caiu na minha mão para sacar. Estava pensando em dar o 'viagem', mas o Zé me chamou do banco. Veio brincar comigo, perguntando se eu era macho de dar o jornada. O ginásio estava lotado, estávamos ganhando por 2 a 0 e arrisquei. Rezei pra bola pegar certo. Se pega errado, iria na arquibancada. Ela pegou na 'veia', subiu, subiu e o público foi ao delírio. Muita gente nunca tinha visto aquilo. Quem já tinha visto, não via há anos. Pensaram que o Bernard tinha voltado. Os gregos ficaram olhando pra cima, procurando a bola e ela acabou caindo. A partir dali, arrumei um problema. Onde eu ia, me pediam pra sacar o 'jornada nas estrelas'. Em ginásios menores, eu tinha que me virar. Se não desse, era vaiado. 

É a favor da presença do cubano Leal na seleção brasileira?

Pra ser contra, tem que ser contra desde que a Olimpíada existe. Atletas estrangeiros sempre foram repatriados, cidadania de outros países sempre fizeram parte do esporte. O Leal tem filho no Brasil, além de um carinho enorme pelo nosso país. Ele quer ajudar essa geração a conquistar mais uma medalha. Na Polônia, temos o exemplo do León. No tênis de mesa, vários chineses são naturalizados. É preciso entender os dois lados. O Leal veio pra somar, o elenco o abraçou, ele estava precisando disso e já está contribuindo muito. Acho que o Brasil tem grandes chances de chegar ao ouro com ele.