O Bolinho, personagem difundido pelos muros de BH, completa 10 anos
Trabalho criado pela mineira Maria Raquel segue se multiplicando para além da capital e é referência para diferentes gerações de artistas
Os traços firmes, mas ainda simples, e as cores vibrantes logo fizeram o Bolinho da grafiteira Maria Raquel, 33, destacar-se nas paredes encardidas de fuligem da capital, conquistando os seus habitantes, a partir de 2009. De lá para cá, a figura simpática, inspirada no formato dos doces conhecidos como “cupcakes”, ganhou ainda mais dinamismo, tornando-se um elemento frequente da paisagem urbana de Belo Horizonte, hoje salpicada com mais de 200 Bolinhos.
No ano em que completa dez anos, esse trabalho segue se multiplicando e até ultrapassou as fronteiras mineiras. Raquel já levou um pouco dessa doçura para outras cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, e até para Buenos Aires, capital da Argentina. Um pouco dessa trajetória está representado em uma série de fotografias reunidas pela artista na galeria Quartoamado, onde essa mesma exposição traz cadernos com os rascunhos feitos por Raquel antes do seu trabalho nas ruas.
“Eu me sinto como se estivesse abrindo um guarda-roupa bagunçado para os outros verem”, brinca a grafiteira. “O legal é que, às vezes, o Bolinho que está na rua tem outras três versões que registro nesses esboços. Já outros eu nem cheguei a grafitar e só existem em desenho mesmo”, conta Raquel.
Quando começou essa série, cuja grande repercussão a fez incorporar o nome do personagem à sua própria assinatura artística, ela mal sabia desenhar. Por esse motivo, optou pela imagem do doce, que, além de estabelecer um diálogo visual direto com o público, não demandava muita técnica para ser replicada nos muros.
“Como eu não tinha nenhuma noção de desenho, fui tentar algo mais simples e, quando pensei no bolinho, já o imaginei como grafite. Eu percebi que seria algo mais fácil de reproduzir”, relata Raquel.
Com formação em letras, a grafiteira entusiasmou-se tanto com o novo trabalho que resolveu voltar à sala de aula e graduou-se também em artes visuais pela Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). Isso contribuiu para que ela pudesse adquirir novos conhecimentos, os quais fizeram seu personagem alçar voos. O Bolinho não só ganhou mais dinamismo, como passou a dialogar de maneira mais intensa com outras linguagens, como a música e o próprio cinema.
“O desenho do começo era muito limitado. O Bolinho tinha perninha e bracinho de palitinho. Era um desenho muito simples, bem tosco. Agora eu sinto que consigo explorar o Bolinho de formas infinitas. Eu também acho que dei uma melhorada em relação às cores. No começo eu fazia o rosto do Bolinho com uma cor rosa, e parecia que ele tinha ficado queimadinho, que tinha torrado no sol. Então, eu fui aprendendo na prática o que eu podia fazer ou não”, avalia Raquel.
Gerações
O trabalho da grafiteira hoje é também referência para diferentes artistas da cidade, desde veteranas como Clara Valente, 47, até meninas que estão atuando há cerca de dois anos, como a Fenix, 22. Ambas reforçam que atualmente existe um movimento crescente de mulheres participando da cena do grafite na capital, e o Bolinho é reconhecido como um dos aspectos mais representativas desse processo.
“O Bolinho é um ícone para mim”, ressalta Clara Valente. “Ele está espalhado pela cidade inteira. Eu tenho mais de 20 anos de trabalho com arte, e ela começou a pintar na rua antes de mim. A Raquel é muito corajosa, porque fazer grafite na rua para as mulheres traz sempre um risco maior do que para os homens”, pontua a veterana.
Fenix também ressalta como o Bolinho serviu como estímulo para ela criar seus próprios desenhos. “O trabalho de Raquel é uma influência para mim do mesmo jeito que outras mulheres que já pintavam antes dela, como Fabiana Santana. E agora eu vejo que eu também incentivo outras meninas. Então, eu vejo isso tudo como uma grande corrente, que, sim, está crescendo. Eu comecei há dois anos a grafitar, e hoje acontece de eu chegar em uma comunidade e encontrar outro ciclo se formando, com grafiteiras que ainda não conhecia”, relata a artista.