Da escrita aflorada na prisão à poesia entre fronteiras
Antônio Risério já definiu Waly como um “happening ambulante”
Nascido em Jequié, na Bahia, em 1943, Waly Salomão estreou em 1972 com o livro “Me Segura Qu’Eu Vou Dar Um Troço”. O conteúdo desse título abre a antologia “Poesia Total”, que acaba de ser publicada pela editora Companhia das Letras e acolhe toda a poesia do autor.
Produzido por ele enquanto estava na prisão, provocada pelo porte de maconha, seu primeiro livro reflete a entrada do autor no campo da literatura, estampando marcas que definiriam alguns traços de sua escrita, como o tom visceral e provocativo. O poeta Francisco Alvim, em uma palestra de 1982 – que na antologia está transcrita na seção “Apêndice” junto com vários outros textos críticos –, ressalta a maneira como Waly chegava apresentando a criação de algo novo, “sem empáfia e arrogância”.
“Ao contrário, com a arma, na essência delicada, de seu humor demolidor. É um poeta que sabe se fazer estimado de quem o lê; pode parecer bobagem dizer uma coisa dessas, mas não é”, afirmou Chico Alvim.
Personalidade que viveu os movimentos de contracultura em voga no país entre os anos 1960 e 1970, Waly participou do tropicalismo e manteve ao longo da vida, diálogos com músicos e artistas plásticos, a exemplo de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Hélio Oiticica. Essa aproximação com outras áreas que sempre o interessaram, além da postura de manter o peito aberto às contingências da vida, levaram a sua poesia a se mesclar com diferentes fronteiras.
Para Omar Salomão, filho de Waly e um dos organizadores da antologia, essa aproximação com outras artes se reverbera no seus escritos a partir da presença constante do ritmo e da visualidade em suas poesias.
“Mesmo nos poemas que não brincam literalmente com a forma, você encontra qualidades que são extremamente visuais. Eu acho que isso reflete a busca do meu pai de não ficar preso ao mundinho da poesia. Ele dialogava com outras áreas, especialmente as artes plásticas e a música, de maneira muito forte. O que se percebe em textos que citam diretamente Hélio Oiticica, Lina Bo Bardi, Luiz Zerbini”, avalia Omar Salomão.
Antônio Risério já definiu Waly como um “happening ambulante”. Para o escritor e antropólogo também baiano, o poeta não só transitava por segmentos distintos, como dava pouco crédito a regras e definições que poderiam nortear escolhas a partir de preceitos como alta ou baixa cultura. “Inimigo número 1 do meio-termo, da mesmice gustativa, Waly é uma verdadeira montanha-russa de grossura e de finesse, indo das baixarias de botequim à suprema limpeza do construtivismo de Maliévitch”, apontou Risério em texto de 1993.
Davi Arriguci Jr, nas orelhas do livro “Algaravias”, de 1996, também sublinha: “O primeiro mérito de Waly é trazer para o centro da lírica brasileira a experiência do descentramento de nossos dias e a situação problemática do poeta no mundo contemporâneo”.